Afinal, alguém fala esperanto no Brasil?

Os falantes de esperanto no Brasil e quais questões estudar essa língua de um ponto de vista linguística traz.

Caio Vinícius da Silva Barros e Caroline Carnielli Biazolli · Caio Vinícius da Silva Barros é estudante do Bacharelado em Linguística na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e foi bolsista com financiamento do CNPq no programa de Iniciação Científica da UFSCar. / Caroline Carnielli Biazolli é doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/FCLAr) e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Ela pesquisa, sobretudo, as relações existentes entre língua, cultura e sociedade.

A resposta para a pergunta que serve de título ao nosso artigo é “sim!”.

A partir de um levantamento bibliográfico e documental, realizado em nossa pesquisa, identificamos que os esperantistas brasileiros não só falam esperanto, como também organizam eventos, assumem posições de liderança no movimento esperantista (nacional e mundial), lecionam cursos livres de aprendizagem da língua, produzem literatura e música, mantêm grupos de conversação em aplicativos de mensagens, publicam revistas de circulação interna, entre outras atividades.

Para além de afirmações polêmicas que muitos esperantistas fazem sobre questões linguísticas importantes – tais como o esperanto ser uma língua supostamente como qualquer outra, neutra e mais fácil de se aprender –, problematizadas por pesquisadores que investigaram cientificamente o esperanto (BORGES, 2000; LAROCA, 2009; OLIVEIRA, 2016; dentre outros), o fato é que existem falantes dessa língua, espalhados pelo mundo e, também, concentrados no Brasil. Essas afirmações sobre o esperanto, questionáveis de um ponto de vista científico, têm o papel relevante de proporcionar discussões a respeito de questões de língua(gem), que levam em conta as diferenças entre línguas naturais e artificiais, e a relevância de práticas culturais conjuntas, que podem até configurar uma espécie de “ativismo linguístico”.

Mas, afinal, o que é o esperanto?

Trata-se de uma língua planejada (às vezes também chamada de língua artificial, o que, na visão de esperantistas, é visto como pejorativo), construída pelo polonês Lázaro Zamenhof, no século XIX, para ser, segundo ele, a língua mais fácil de ser aprendida e não pertencente a nenhuma nação, razão pela qual, dentre outras características, a gramática do esperanto é composta por apenas 16 regras (ZAMENHOF, 2015). A finalidade do esperanto, na visão de seu criador, era servir como uma língua adicional, uma segunda língua para todos.

Sobre ser uma língua fácil, essa é uma questão complexa, dado que todos os humanos adquiriram sua língua materna sem nenhuma dificuldade aparente. No entanto, o esperanto, como vimos, não surge como uma língua natural – ainda que tenha falantes nativos documentados – e portanto dizer se é fácil ou difícil é uma questão muito pouco objetiva e vai depender de quem aprende essa língua e as razões para tanto. Sobre sua universalidade, de fato o esperanto é uma língua construída a posteriori, ou seja, baseada em línguas já existentes, principalmente das famílias latina, germânica e eslava. Sendo assim, representa muito pouco das cerca de 7 mil línguas faladas atualmente, e, assim, sua universalidade está mais na intenção do que na realização, dado que o esperanto acaba sendo bastante eurocêntrico (ou “indo-europeucêntrico”) do ponto de vista de sua formação, vocabulário e estrutura.

Ainda nos dias de hoje, algumas pessoas – talvez a maioria – acham que o esperanto nunca passou de uma ideia com pouca ou quase nenhuma concretização. Entretanto, algumas evidências mostram que a questão é mais complexa, tanto em um âmbito mais amplo quanto no contexto brasileiro:

  • A Wikipedia contabiliza atualmente mais de 300 mil artigos em esperanto[1];
  • O esperanto é uma das mais de cem línguas suportadas pelo Google Translate[2];
  • Há registros de falantes nativos de esperanto, ou seja, de pessoas nascidas em famílias que optam por utilizar o esperanto como primeira língua na comunicação entre si (em esperanto, esses falantes são denominados denaskuloj) (OLIVEIRA, 2016). Em 11/09/2020, por exemplo, o canal do YouTube Wikitongues publicou um vídeo de uma falante nativa compartilhando o uso que faz da língua[3];
  • O Projeto de Lei 6162/2009, em tramitação em nossa Câmara dos Deputados, dispõe sobre a inclusão facultativa do ensino do esperanto no ensino médio[4];
  • São ofertados cursos livres de esperanto em algumas universidades públicas brasileiras (como na UFPR, UnB e USP), com destaque para o pioneirismo do professor esperantista Paulo Amorim Cardoso, na Universidade Federal do Ceará (LEITE Jr., 2018).

No Brasil, a instituição responsável pela promoção do esperanto é a Brazila Esperanto Ligo (BEL – Liga Brasileira de Esperanto[5]), que possui uma seção destinada aos jovens, a Brazila Esperantista Junulara Organizo (BEJO – Organização da Juventude Esperantista Brasileira). A instituição se propõe, dentre outras ações, a viabilizar contato entre algum indivíduo que tenha estudado esperanto pela internet e um falante de esperanto próximo a ele (BEL, online, s/p[6]). 

Outro fato curioso envolvendo o esperanto e brasileiros é a criação da plataforma Eventa Servo (Serviço de Eventos), cuja função é divulgar os eventos esperantistas que acontecem no mundo inteiro. Essa plataforma (cf. figura abaixo) foi desenvolvida pelo esperantista brasileiro Fernando Ŝajani (lê-se Fernando “Chaiáni”) em 2017, e doada por ele ao movimento esperantista posteriormente.

Figura 1. Print da tela de eventos de 06 a 12 de setembro de 2021 / Fonte: Eventa Servo – https://eventaservo.org/

Para além de serviços como esse, os esperantistas brasileiros também mantêm a publicação de algumas revistas, como a Brazila Esperantisto (Esperantista Brasileiro) e a La Lampiro (O Vagalume) (cf. figuras abaixo). São revistas antigas ainda em circulação no Brasil: encontramos, no acervo disponibilizado pela BEL[7], exemplares de 1907 a 2019 da Brazila; e, quanto à La Lampiro, seu primeiro número data de 1959, passando a ser editada, a partir de 2015, apenas no formato digital[8]. Ambas abordam os mais diversos temas, como história e cultura esperantistas, lançamentos de filmes, concursos literários, eventos etc.

Figura 2. Capa da edição mais recente: Brazila Esperantisto – ano 112 – no. 361 – agosto/2019 / Fonte: http://esperanto.org.br/info/index.php/quem-somos/brazila-esperantisto
Figura 3. Capa da edição mais recente: La Lampiro – ano 62 – no. 170 – 2021:4 / Fonte: https://easp.org.br/asocio/lampiro/

Cabe-nos ainda sublinhar a tradução de obras literárias brasileiras para o esperanto – no caso, destacamos a produção machadiana – e a presença de uma banda de rock brasileira no cenário musical esperantista.

Leite Jr. (2018) lista as obras de Machado de Assis que foram traduzidas, focando mais na quantidade do que na qualidade dessas traduções, dentre as quais está uma coletânea com quatro peças, chamada Teatro: kvar komedioj (Teatro: quatro comédias), que contém La protokolo (O protocolo), Ne konsultu kuraciston (Não consultes médico), Preskau ministro (Quase ministro) e Leciono pri botaniko (Lição de botânica); o conto La alienisto (O alienista), dentre outras produções.

Sobre a banda, chamada Supernova, foi idealizada em 2004 e é composta por quatro integrantes, dentre eles Rogener Pavinski, o vocalista e baixista. Seu primeiro álbum homônimo foi lançado em 2006 pela gravadora esperantista Vinilkosmo e foi um marco para o esperantismo, pois com ele foi filmado, profissionalmente, o primeiro videoclipe esperantista[9].

Como esse breve percurso mostra, há falantes de esperanto no país, e também uma produção cultural diversa, o que deixa em aberto um interessante horizonte a ser explorado científica e academicamente.

Algumas questões interessantes sobre o esperanto podem ser sobre:

(i) quando, como e por que uma língua inicialmente planejada, elaborada inteiramente pela vontade e empenho de um indivíduo, se concretizou ao ser adotada por comunidades de fala e de prática pelo mundo (desse ponto derivariam reflexões sobre os efeitos da globalização, plurilinguismo, situação de contato entre o esperanto e as línguas maternas dos falantes etc.);

(ii) a possibilidade de um mapeamento das comunidades de falantes de esperanto espalhadas pelo Brasil e pelo mundo;

(iii) e, finalmente, como – se for o caso – comportam-se as mudanças linguísticas ocorridas no esperanto com o decorrer do tempo.

Referências

BORGES, R. M. R. A pedagogia bonaesperense: um estudo de caso da Fazenda-Escola Bona Espero. 2000. 234 f. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2000.

LAROCA, M. N. C. O caráter verbo-nominal do aspecto em esperanto. 2009. 391 f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) – Instituto de Letras, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009.

LEITE Jr., J. Machado de Assis em esperanto. In: TORRES, M-H. C; FREITAS, L. F.; COSTA, W. C. (org.) Machado de Assis, Literatura e Tradução. Florianópolis: Substânsia, 2018, p. 103-119.

OLIVEIRA, K. G. Adaptação de empréstimos em esperanto. 2016. 131 f. Dissertação (Mestrado em Semiótica e Linguística Geral) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.

ZAMENHOF, L. L. O fundamento do esperanto: gramática, exercícios, vocabulário universal. Brasília: Liga Brasileira de Esperanto, 2015.


[1] Disponível em: https://eo.wikipedia.org/. Acesso em: 30 set. 2021.

[2] Disponível em: https://translate.google.com/intl/pt-BR_ALL/about/languages/#!/eo. Acesso em: 30 set. 2021.

[3] Disponível em: https://youtu.be/A9BO3Sv1MEE. Acesso em: 30 set. 2021.

[4] Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/454210. Acesso em: 30 set. 2021.

[5] Disponível em: http://esperanto.org.br/info/. Acesso em: 30 set. 2021.

[6] Disponível em: http://esperanto.org.br/info/index.php/locais. Acesso em: 2 out. 2021.

[7] Disponível em: http://esperanto.org.br/info/index.php/quem-somos/brazila-esperantisto. Acesso em: 30 set. 2021.

[8] Disponível em: https://easp.org.br/asocio/lampiro/. Acesso: 30 set. 2021.

[9] Disponível em: https://www.vinilkosmo-mp3.com/en/pop-rock-hip-hop-electro/supernova-114.html. Acesso em: 2 out. 2021.