A escrita acadêmica e a produção de conhecimentos
Uma exposição da escrita acadêmica e suas características.
A escrita acadêmica é uma atividade social, na qual a produção de conhecimento científico ganha a forma de textos concretos que circulam no meio acadêmico. Como é curioso observar, a designação de acadêmico não se limita ao espaço físico de cursos de graduação e programas de pós-graduação, como em salas de aula, mas vai além e diz respeito a atividades de pesquisa, vinculadas a tais lugares, particularmente em eventos/ periódicos científicos, grupos/ laboratórios de estudo/ investigação.
Desse modo, ressaltamos as especificidades dessas tarefas, visto que não são quaisquer textos produzidos por essas pessoas que necessariamente recebem a caracterização referida. Por exemplo, um aviso em um quadro, uma ata de reunião de professores ou um cartaz feito por um universitário e colado em uma parede, na sala onde ele estuda, não são textos acadêmicos. Então, o que é esta escrita? E por que é preciso saber isso?
A escrita acadêmica é um ato composicional específico da ciência. Assim, as pessoas a desenvolvem por meio de métodos científicos e do cumprimento a regras de publicação, que delimitam este contexto de produção, ao passo que procuram entender e resolver problemas da sociedade e da própria ciência.
Sim, apesar de haver cientistas que produzem pesquisas que, nem sempre, beneficiam diretamente a sociedade, na maior parte das vezes, a divulgação dos resultados das investigações representa contribuições sociais.
Independentemente de qual seja o laboratório/ meio científico, em que algum experimento é realizado, algo produzido por um cientista precisa ser aprovado também por outros cientistas. No intuito de que essa aprovação aconteça, os cientistas precisam escrever sobre o que fizeram e divulgar sua pesquisa, em forma de produção escrita, para outros pesquisadores. Por consequência, só depois de um sério caminho de validação de dados, os produtos decorrentes dos experimentos científicos passam a circular na sociedade como um todo. Logo, o resultado é uma materialização textual diferente de um texto de opinião enviesada e livre de comprovação.
A título de exemplificação, muitos textos de Linguística, enquanto uma área da ciência, são escritos para que cientistas possam entender questões pertinentes à língua e à linguagem. Relacionada à Linguística e à necessidade de compreendermos as questões envolvidas na linguagem, na área de formação de professores de línguas, os docentes entendem as especificidades que circundam o contexto comunicativo.
Com isso, no contexto brasileiro, a ciência impacta na formação de professores que procuram desenvolver as competências linguísticas dos alunos da Educação Básica, enquanto fazem com que esses discentes possam usar a linguagem de forma eficaz na sociedade. Isso é mais do que aprender a ler e escrever; é saber usar a leitura e a escrita em atividades variadas no cotidiano, como conseguir realizar transações bancárias, sem a ajuda de um funcionário do banco, que precise ler e decifrar as orientações para isso.
Diante dessas situações de como produzimos conhecimento em Linguística, ressaltamos a importância de sabermos que o conhecimento científico é realizado mediante a produção de textos escritos. Assim, é preciso entender que quem produz a escrita acadêmica necessita ter o cuidado de chamar a atenção para o conteúdo temático que ela elucida, à medida que evidencia o problema desse conteúdo e a resposta da ciência para ele.
Devido a essa particularidade, conforme observamos, por mais que os escritores destes textos chamem a atenção para o que é dito na escrita, inevitavelmente, quem escreve marca seu posicionamento no texto. Esse ato acontece porque o texto é marcado pelos pré-construídos, isto é, a história discursiva individual do sujeito que o produz, da maneira como esclarece Jean-Paul Bronckart, em várias de suas obras.
Esse posicionamento, na produção acadêmica, é alvo de várias discussões. Como nota o linguista Ken Hyland, conhecido pelas suas investigações sobre escrita acadêmica, dadas as especialidades das diferentes áreas do saber, alguns autores marcam mais sua subjetividade em artigos científicos, como acontece nas Ciências Humanas, e outros menos, como pode ser visto nas Ciências Exatas. Tal posicionamento é marcado em textos pelas formas verbais, adjetivações, modalizações adverbiais, dentre tantas outras formas linguísticas que estruturam nossos escritos.
Dessa maneira, tanto as pessoas que fazem ciência precisam conhecer as peculiaridades da escrita acadêmica, quanto essa escrita tem sido alvo de diversas pesquisas, especialmente em Linguística, a exemplo das realizadas por Swales, em 1990, e Motta-Roth e Hendges, em 2010. Suas pesquisas evidenciam como a escrita acadêmica é estruturada em diferentes comunidades discursivas, conforme os propósitos comunicativos dos seus membros de, em linhas gerais, escrever textos validados como acadêmicos.
Para além de investigações, pesquisas em Linguística apresentam contribuições para o ensino e a aprendizagem dessa escrita, como fez, em 2019, Frederico Navarro, o presidente da Associação Latino-Americana de Estudos da Escrita na Educação Superior e em Contextos Profissionais (ALES). Conforme esse linguista defende, o ensino crítico da escrita acadêmica proporciona a formação de estudantes que questionam: “o que um professor espera da minha escrita, algo extenso e com minha visão sobre o assunto ou algo curto, conciso e impessoal?”. Em vista disso, escrever assim é construir conhecimento teórico, enquanto se desenvolve como profissional de uma área específica.
A escrita acadêmica é mais do que divulgar o que cientistas fazem, visto que ela reverbera os impactos sociais da produção de conhecimento científico. Aliás, essa ação potencializa caminhos para a construção de novos conhecimentos, pensados e produzidos por alunos, em várias disciplinas cursadas, no Ensino Superior e na Pós-Graduação.
Tamanha é sua importância que, de acordo com Susan Hood, pesquisadora da Universidade de Sydney, na Austrália, o interesse pelo que as pessoas escrevem na academia tem crescido rapidamente, como consequência de uma série de fatores. A princípio, o crescimento ocorre devido à expansão do Ensino Superior, em razão do aumento demográfico e da ascensão social. Por conseguinte, como a autora enfatiza, alarga-se o potencial de que alunos assumam novos papéis, assim como se envolvam com novos conhecimentos e novas formas de escrita. Dados tais fatores, a linguista defende uma compreensão mais clara dos significados na escrita acadêmica.
Mesmo que tais fatores tenham sido apresentados com base na realidade da Austrália, eles lembram a realidade brasileira. Isto porque, como os pesquisadores de escrita acadêmica daqui têm mostrado, especialmente nas duas últimas décadas, com a expansão do nosso Ensino Superior, mais pessoas vêm ingressando neste nível de ensino, tal como evidenciam a necessidade de desenvolver habilidades de escrita.
O crescimento exponencial de investigações sobre escrita acadêmica traz respostas sobre quais são as características gerais e específicas dessa atividade comunicativa. Nesse caminho, as pesquisas comprovam as diferentes maneiras de construir essa escrita.
As comprovações dizem respeito: 1) às áreas do conhecimento e suas diferentes disciplinas; 2) aos textos − relatórios, artigos científicos, ensaios e resenhas acadêmicas, por exemplo − se escritos por quem e para quem; 3) às escolhas de palavras, e das estruturas linguísticas em que elas funcionam, de cada área; 4) às situações de comunicação de forma ampla, que envolvem os motivos de um texto ser escrito.
Em síntese, a pessoa que produz textos acadêmicos tem o desafio de escrever/ divulgar pesquisas e produzir conhecimento científico, ao tempo em que retoma o que foi escrito em outros textos acadêmicos. Justamente devido à importância da ciência para a sociedade e à complexidade em que esse conhecimento é construído, é indispensável pensar sobre estratégias que tornem o processo de desenvolvimento da escrita acadêmica mais acessível, sobremodo àqueles escritores que estão ingressando no universo acadêmico e precisam compreender as particularidades constituintes das interações comunicativas de tal ambiente.
Para saber mais
BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos. São Paulo: Educ, 1999.
BRONCKART, Jean-Paul. Ação, discurso e racionalização: a hipótese de desenvolvimento de Vygotsky revisitada. In: MACHADO, Anna Rachel, MATENCIO, M.L.M.(Orgs). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. São Paulo: Mercado de Letras, 2006. p.59-89.
BRONCKART, Jean-Paul. Théories du langage: Nouvelle Introduction Critique. Bruxelas: Édition Mardaga, 2019, pp.277-296.
HOOD, Susan. Evaluation Academic English. In.: HOOD, Susan. Appraising research: evaluation in academic writing. Austrália, Sydney (University of Technology): Palgrave macmillan, 2010.
HYLAND, K. English for Academic Purposes. In LEUNG, C.; STREET, B. (eds.). The Routledge Companion to English Studies. London: Routledge, 2014.
MOTTA-ROTH, D.; HENDGES, G. R. Produção textual na universidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
NAVARRO, Frederico. Aportes para una didáctica de la escritura académica basada en géneros discursivos. Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada – DELTA, 35-2, 2019. 32. 1-32. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1678-460X2019350201. Acesso em: 06 jan. 2021.