Como respiramos ao falar

Mesmo que a fala seja uma atividade diária, isso não impede o investimento em se falar com melhor fluência, de forma mais agradável e, por que não, de forma a otimizar a respiração para a fala para diminuir o estresse tanto de quem fala quanto de quem ouve.

Plínio Almeida Barbosa · Plínio é linguista, com formação inicial em engenharia eletrônica. Professor da Unicamp, estuda como funciona a nossa fonação.

Quando fui convidado a testar um equipamento de medida de como respiramos ao falar, eu estava tão concentrado em conferir os resultados na tela que o sinal que registrava o movimento de meu tórax estava constante. Vendo o mesmo, meu colega sueco me perguntou: “Tem certeza de que está respirando?” E então rimos. Essa é certamente a razão pela qual um experimentador ou especialista num assunto não pode ser seu próprio observador.

O dispositivo que eu usava naquela ocasião para medir atividade respiratória a partir de mudanças no corpo foi desenvolvido pela Universidade de Estocolmo por um de seus engenheiros. Chamado de RespTrack, esse dispositivo registra as mudanças na extensão de duas cintas ajustadas ao tórax e ao abdômen da pessoa que fala, como pode ser visto abaixo.

Imagem do RespTrack (Fonte: arquivo pessoal)

Saber como combinar períodos de silêncio com períodos de fonação não é apenas saudável, mas crucial para uma boa comunicação

Por que esse interesse por padrões respiratórios da fala? Respirar é uma atividade vital e respirar bem é inclusive uma prática fundamental no yoga (vide abaixo um yogue praticando o prana, uma concepção da respiração como energia vital), uma condição para uma vida melhor. Saber como combinar períodos de silêncio com períodos de fonação não é apenas saudável, mas crucial para uma boa comunicação, para dirimir o que é necessário ser dito e o que não é. Afinal, parodiando o escritor Alberto Moravia, quando fala do mal do excesso de informação em L’angelo dell’informazione, em uma sociedade em que tudo se comunica, pode não haver comunicação alguma, nenhuma mudança que promova, de fato, a sociedade.

 

Yogue praticando o prana (Fonte: How an ancient breathing practice can add years to your life)

 

Os cientistas da fala sabem que tomamos mais ar inalando mais profundamente antes de fala, o que contribui para produzir uma fase expiratória mais longa, que é uma condição necessária para enunciar os diversos sons e aspectos rítmicos de uma língua. Mas o que eles ainda não sabem bem é como mudamos a coordenação entre respiração e fala quando mudamos o jeito de falar. Por exemplo, as diferenças de coordenação entre as duas atividades quando damos uma aula, quando entrevistamos alguém, quando convencemos alguém a comprar um produto, entre outras atividades. Considerando a última atividade como ilustração, a habilidade de convencer alguém pela comunicação envolve aspectos que podemos nomear carisma e persuasão.

Os cientistas da fala sabem que tomamos mais ar inalando mais profundamente antes de fala, o que contribui para produzir uma fase expiratória mais longa, que é uma condição necessária para enunciar os diversos sons e aspectos rítmicos de uma língua.

A fala carismática e persuasiva tem motivado meu amigo Oliver Niebuhr da University of Southern Denmark e eu para investigar como diferentes falantes mudam a coordenação entre fala e respiração de uma leitura habitual para uma leitura persuasiva.

A partir de gravações de 17 estudantes da sua universidade, que com ele aprenderam como soar persuasivos ou carismáticos ao vender um produto, e de sua própria gravação, Oliver e eu encontramos diferenças na expansão do tórax e do abdômen bem como na forma como a coordenação entre fala e respiração nas duas partes do corpo é feita.

 

Oliver testando o equipamento (Fonte: arquivo pessoal)

A maioria dos falantes expande muito mais o tórax e o abdômen ao falar de modo persuasivo. Ambas as partes do corpo estão mais expandidas na condição sentada em comparação com a condição em pé. E, como esperado por conta do maior volume torácico, homens expandem mais as duas partes do corpo do que as mulheres. Entre as 18 pessoas que participaram do experimento, adivinhe o leitor quem foi o campeão da expansão do tórax? Claro, o professor!

Além disso, essa maior expansão corpórea ao falar de modo persuasivo contribui para uma voz mais ressoante, percebida como mais agradável e que parece ocupar todo o ambiente. Quais as implicações desses achados?

Compare a fala de duas figuras públicas, uma com voz persuasiva e atraente com outra com voz desagradável ou sem nenhum destaque. Qual das duas faz o falante mais popular? Certamente o que tem a voz mais agradável. E se pudéssemos ensinar as pessoas a respirar de tal forma que favorecesse uma fala carismática ao melhor coordenar fonação e respiração? Imagine as consequências para a venda de produtos, resultados de eleição, efeitos no público da narração de histórias, entretenimento e assim por diante. Bem, é exatamente isso que o Oliver tem feito ao instruir investidores em indústrias para soarem mais persuasivos.

Mesmo que a fala seja uma atividade diária, isso não impede o investimento em se falar com melhor fluência, de forma mais agradável e, por que não, de forma a otimizar a respiração para a fala para diminuir o estresse tanto de quem fala quanto de quem ouve. Que contribuição importante não seria para uma sociedade estressante e agitada. Contribuir para uma sociedade em que as pessoas saibam como se comunicar para fazer os demais felizes e realizados é certamente um dever maior hoje em dia.

A tecnologia atual pode assim permitir que alcancemos esse objetivo de modo efetivo e prazeroso. Quão importante para nosso mundo atual é bem coordenar a relação entre fala e respiração para atingir qualquer meta comunicativa. Da próxima vez, lembre-se: respire fundo!

Artigos a respeito do tema

Barbosa, P. A., Madureira, S. (2018) The Interplay between Speech and Breathing across three Brazilian Portuguese Speaking Styles. Proc. 9th International Conference on Speech Prosody 2018, 369-373, DOI: 10.21437/SpeechProsody.2018-75.
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Grosjean F, Collins, M (1979): Breathing, pausing and reading. Phonetica 36(2):98-114.
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