Viagem a Aotearoa
A equipe foi conhecer e aprender sobre a experiência Kohanga Reo, os Ninhos de Língua, que em três décadas conseguiram reverter o alarmante quadro de perda linguística e cultural de seu povo. Conheceram também a educação fundamental Māori, as Kura Kaupapa. A proposta foi a de procurar levar essas boas ideias para o povo Kaingang, que, como grande parte dos povos indígenas no Brasil, vive preocupação semelhante de perda linguística, cultural e identitária.
No segundo semestre de 2017, o linguista Marcus Maia (UFRJ/CNPq/CAPES), a professora Kaingang em pós-doutorado, Marcia Nascimento (UFRJ/CNPq) e a antropóloga Chang Whan (Museu do Índio) visitaram a Nova Zelândia, Aotearoa, “a terra da longa nuvem branca”, como a chamam seus primeiros habitantes, o povo indígena Maori. Foram conhecer e aprender sobre a experiência Kohanga Reo, os Ninhos de Língua, que em três décadas conseguiram reverter o alarmante quadro de perda linguística e cultural de seu povo. Conheceram também a educação fundamental Māori, as Kura Kaupapa. A proposta foi a de procurar levar essas boas ideias para o povo Kaingang, que, como grande parte dos povos indígenas no Brasil, vive preocupação semelhante de perda linguística, cultural e identitária.
O ninho de língua O TU ROA
A língua Te Reo Māori, pertencente ao ramo polinésio oriental da família de línguas Austronésica, é falada pelo povo Māori, principalmente na Nova Zelândia, por aproximadamente 50% da população de pouco mais de meio milhão de pessoas, que constituem cerca de 15% da população total do país. Desde a década de 1980, o Te Reo Māori é língua oficial na Nova Zelândia, ao lado do inglês e da língua de sinais neozelandesa. Comparativamente a muitas línguas indígenas do mundo, a situação da língua Māori é relativamente estável. No Atlas das línguas em perigo no mundo, da UNESCO, a língua Māori é considerada vulnerável, mas não severamente ou criticamente em perigo, como grande parte das línguas indígenas brasileiras, por exemplo.
No Green Book of Language Revitalization, os linguistas Ken Hale e Leanne Hinton avaliam que o programa criado pelos Maori para reverter esta situação de grande ameaça à sobrevivência de sua cultura e língua é um dos programas mais eficiente de revitalização linguística de que se tem notícia.
Nem sempre foi assim, no entanto. Após a segunda guerra mundial, grande parte da população Māori precisou deixar suas aldeias, passando a viver nas cidades, para sobreviver às dificuldades do pós-guerra, impactando significativamente a cultura e a língua Māori. Avalia-se que, em 1970, menos de 20% dos Māori falavam a sua língua. No Green Book of Language Revitalization, os linguistas Ken Hale e Leanne Hinton avaliam que o programa criado pelos Maori para reverter esta situação de grande ameaça à sobrevivência de sua cultura e língua é um dos programas mais eficiente de revitalização linguística de que se tem notícia.
Esse programa, que reverteu significativamente a tendência de desaparecimento da língua Māori, se chama Kohanga Reo, ninho de língua. Para conhecer de perto o que são os ninhos de língua Māori, a pós-doutoranda do POSLING-UFRJ, Marcia Nascimento, da etnia Kaingang, o professor Marcus Maia, do Departamento de Linguística e do POSLING-UFRJ, e a antropóloga Chang Whan, do Museu do Índio, vieram à Nova Zelândia, com o apoio do CNPq, CAPES e da Massey University, instituição universitária e de pesquisa neozelandesa com a qual a UFRJ celebrou um acordo de cooperação acadêmica, em 2016. Por força deste acordo, três professores da Massey University, dois dos quais da etnia Māori, ministraram quatro aulas no curso “Educação e Revitalização Linguísticas”, oferecido no POSLING-UFRJ, no segundo semestre de 2016.
A equipe neozelandesa visitou também durante sua estada no Brasil a Terra Indígena Kaingang de Nonoai, no Rio Grande do Sul, onde nasceu e reside Marcia Nascimento, iniciando avaliação in loco da situação sociolinguística das aldeias Kaingang, com vistas ao desenvolvimento futuro de um projeto de diálogo intercultural entre os Māori e os Kaingang.
Na quarta-feira, 13 de setembro de 2017, a equipe brasileira visitou o ninho de língua O Tu Roa, na cidade de Otaki, próxima a Wellington, a capital da Nova Zelândia. Otaki é uma cidade costeira, situada em uma área onde se encontram ocupações tradicionais de diversos e distintos iwis (tribos) Maōri. Criada em 1987, O Tu Roa é um dos mais tradicionais Kohanga Reo na região. Atende aproximadamente a vinte crianças em tempo integral, recebendo-as a partir das 9 horas da manhã e encerrando as atividades por volta das 15 horas. A estrutura física da escola possibilita trabalhar a filosofia Māori de pertencimento e fortalecimento da identidade das crianças, concomitantemente à aquisição da língua Māori através da diversidade de atividades previstas no currículo.
A visita ao Ninho de Língua Te Kohanga Reo O Tu Roa foi uma gratificante experiência para a equipe brasileira. Fomos recebidos segundo os protocolos tradicionais de estrangeiros, chamados na língua Māori de Powhiri, com troca de recitativos entre quem está trazendo os novos convidados e quem os está recebendo, antes da entrada na casa Maōri. Seguiram-se falas de boas vindas da educadora-diretora, e cantos apresentados pelas cerca de 20 crianças, na faixa de 2 a 5 anos, acompanhados das educadoras e cuidadoras. Em retribuição, a equipe brasileira também fez falas de agradecimento e Marcia cantou uma cantiga tradicional Kaingang. Também ofertamos um koha, um presente, às crianças, uma pequena peça em cerâmica, tamanduá com filhote, do povo indígena brasileiro Karajá, que muita curiosidade despertou entre as criancinhas. Após as formalidades, um lanche foi servido.
Mari Ropata, educadora, coordenadora de currículos do Māori Studies, da Universidade Massey, que esteve no Brasil, em visita à comunidade Kaingang de Nonoai, foi nossa embaixadora Maōri em Aotearoa. Mari explica que os Kohanga Reo surgiram como um movimento que se caracteriza pelo conceito de “grassroots actions”, ou seja, ações de base, a partir de iniciativas de caráter espontâneo de membros de comunidade, frente a questões que se colocam como prementes nas aldeias, no caso, mais especificamente, a perda da língua e da cultura de seus ancestrais. Nesse sentido, os Kohanga Reo, ninhos de língua, foram incialmente organizados pelas mães e avós como creches para crianças em fase de aquisição linguística, em que o fundamento principal era o uso estrito da língua Māori em todas as atividades aí realizadas, tais como contação de histórias, cantos, brincadeiras, atividades na horta, hora das refeições. Tudo, sempre, em Te Reo Māori.
O que se destaca fortemente em O Tu Roa é o rigor no cumprimento dos protocolos estabelecidos como essenciais para a aquisição da língua Māori pelas crianças, afirmando o principal preceito de que o Kohanga Reo é território praticamente exclusivo da Te Reo Māori, ou seja, nos ninhos de língua fala-se exclusivamente a lingua Māori. De fato, como constatamos, em um Kohanga Reo tudo acontece na língua Māori. A língua inglesa, língua de colonização da Nova Zelândia, é expressamente proibida nos Kohanga Reo. Outras línguas de fora até são aceitas. Cantamos em português e em Kaingang para as crianças. Logo na entrada de O Tu Roa, além do espaço para a recreação, há um espaço para horta e jardinagem onde as crianças aprendem desde cedo práticas de cultivo de diferentes hortaliças, para a produção do próprio alimento que consomem no ninho de língua, o que desperta a consciência da importância de adotarem-se práticas alimentares saudáveis.
O que se destaca fortemente em O Tu Roa é o rigor no cumprimento dos protocolos estabelecidos como essenciais para a aquisição da língua Māori pelas crianças, afirmando o principal preceito de que o Kohanga Reo é território praticamente exclusivo da Te Reo Māori, ou seja, nos ninhos de língua fala-se exclusivamente a lingua Māori.
Após o ritual de recepção e boas vindas, as crianças seguiram com as atividades orientadas pelas cuidadoras e educadoras. As atividades eram direcionadas para as diferentes faixas etárias, porém as crianças tinham liberdade de transitar de um grupo para outro. Em média havia uma cuidadora para cada cinco crianças. As atividades envolviam coleta de verduras na horta e preparação dos alimentos com as verduras colhidas. Outro grupo ajudou a preparar um pão, enquanto outro coletava o lixo no pátio do Kohanga Reo. Após o almoço, as crianças têm um tempo para descansar ou dormir, principalmente as crianças menores. Numa das salas cada criança tem sua caminha e seu cobertor.
Um dos pontos importantes trabalhados com as crianças é o sentimento de pertencimento a um povo e suas ligações ou conexões com o “outro” numa espécie de sistema de parentesco, bem como sua ligação com a terra e com o meio ambiente, em vários níveis. Dessa forma, a constituição identitária da criança começa pelo reconhecimento e identificação da montanha a qual pertence, seu rio, sua canoa, sua tribo, bem como o seu clã e família – avós, pais e irmãos, além de sua Marae (que é uma espécie de casa sagrada, um espaço dedicado à memória ancestral) e finalmente o indivíduo, o ahau ‘eu’, ou seja, a criança. Essas informações constituem uma espécie de ficha de identificação das crianças, sendo expostas no corredor de entrada. Todos os cômodos trazem em sua decoração, aspectos culturais como esculturas de divindades tradicionais, grafismos e trabalhos realizado pelas crianças. A visita ao ninho de língua O Tu Roa foi para nós uma experiência profundamente inspiradora.
Escola Fundamental Te Kura Kaupapa Māori O Te Rito
Chegamos na escola antes das 9 da manhã. O dia era 29 de setembro, sexta-feira. Te Kura Kaupapa Māori o Te Rito pode ser traduzido como Escola Māori de Ensino Fundamental “O Broto”. Na entrada, ninguém à vista, tudo quieto. Estacionado o carro no pátio em frente, Mari Te Ropata, nossa cicerone e anfitriã desde que chegamos em Otaki, diz para esperarmos no carro, e vai até lá dentro. Já estávamos prevenidos de que seríamos recebidos com um Powhiri, protocolos cerimoniosos de boas-vindas para a primeira chegada dos manuhiri, os forasteiros, em espaços culturalmente institucionalizados Māori. Por se tratar de um momento solene não podemos filmar ou fotografar.
Para o Powhiri, já o sabíamos, as mulheres, no caso Mari, Márcia e Chang, devem usar saias, ou ao menos um “sarong”, envolto na cintura. Mari nos sinaliza para sair do carro, indicando que podemos ir, perfilados atrás dela, Marcus por último.
Posicionamo-nos à entrada, antes do portal Māori. De lá do pátio interno da escola, uma mulher entoa o Karanga uma chamada em voz alta, numa cadência ritmada, como se indagasse, imaginamos, “Quem vem lá? Quem vem lá?” Mari responde, também cantando sua contraparte, muito provavelmente informando sobre quem ela vem conduzindo e, assim, vamos passo a passo nos aproximando devagar. A mulher no pátio, certamente uma professora da escola, volta a entoar seu canto de recepção. “Haere mai rã, e te manuhiri tua rangi! Haere mai rã, e te manuhiri tua rangi!”, ouvimos a certa altura, o que, como aprendemos, depois, quer dizer “Bem vindos estimados forasteiros de longínquas terras. Bem vindos!”
A cantoria continua e, com ela, vamos avançando devagar até que chegamos ao pé da escada de uma varanda, em direção à porta de uma sala. Removemos os sapatos e, ao entrarmos, qual não foi a nossa surpresa ao ver que ali nos esperava uma sala de aula cheia de crianças, de idades variadas, todas sentadinhas no chão, em fileiras, solenemente quietinhas e atentas.
Após sermos levados a sentar nas únicas 4 cadeiras da sala, de frente para a criançada sentada no chão, um homem, certamente um professor, começa a discursar em Māori. Não dá para entender a fala, apenas conseguimos pescar uma coisa ou outra como “manuhiri” – forasteiros, “Brasil”, “Haere mai” – Bem vindos… Mari, então, que estava sentada junto conosco, cutuca o Marcus para que se levante e faça a sua fala protocolar, em português. Marcus diz que nos sentimos muito honrados em estarmos sendo recebidos na escola Māori, que a visão das crianças é sempre um alento para renovarmos as nossas esperanças no futuro… Mesmo que as pessoas presentes, professores e alunos, não entendam nada, a fala do visitante não pode ser em inglês, língua terminantemente proibida dentro do Te Kura Kaupapa, escola fundamental de imersão em língua Māori. O momento, percebemos, é também uma oportunidade para as crianças, de vivenciarem um contato sensível com uma outra língua, de um outro povo, com a alteridade humana. Depois da fala do Marcus, Mari nos sinaliza para cantarmos. Canto então a música que já vinha ensaiando para o momento. “Um dia a areia branca… ♪ seus pés irão tocar… ♪ e vai molhar seus cabelos… ♪ a água azul do mar ♫ …”. Os olhinhos sorridentes nos encantam em retribuição. Deixamos como koha – presente ritual – para as crianças, uma peteca que, mais tarde, depois da solenidade, fará o maior sucesso, e também uma caixa com pés-de-moleques. Nos ocorre que, coincidentemente, o dia era 29 de setembro, dia de São Cosme e Damião no Brasil, dia de dar doces às crianças, e o pé-de-moleque é um dos tradicionalíssimos doces da ocasião.
A seguir uma outra professora faz uma fala em Te reo Māori, que infelizmente não podemos compreender, mas temos certeza de que o conteúdo é só positividade e ensinamento para as crianças. Em seguida, há um movimento em toda a sala, e somos instados a reposicionarmos as nossas 4 cadeiras contra a parede pois as crianças vão fazer apresentações de canto e dança para nós.
Estão a princípio um pouco tímidas, mas com o acompanhamento do violão e o incentivo das professoras, logo fluem com naturalidade e desenvoltura na bela performance. As meninas na frente e os meninos atrás. Em seguida, os meninos vêm para a frente e as meninas recuam, e Mari me sussurra que os pequenos farão um haka. Ficamos encantados pois nunca havíamos visto uma performance de haka de miúdos! Os meninos, porém, já perfilados, estão muito tímidos e não conseguem iniciar. Alguém vai lá fora buscar um menino maior de uma turma mais avançada para liderar o haka.
Logo em seguida, entram crianças de uma turma maior e fazem outra belíssima e forte apresentação. Mari explica baixinho que a turma foi selecionada para participar de uma competição escolar de canto e dança Māori na região. Estão, todos, portanto, bem ensaiados. Primeiro, as meninas na frente, com os meninos marcando o compasso atrás, e depois os meninos avançam e as meninas recuam, para a performance do haka, agora com um puxador com muita garra e o grupo muito coeso e forte.
Terminadas as apresentações, “Ka pai! Ka pai!” (muito bom, muito bom!). Mari nos sinaliza para falarmos a apresentação tradicional de “Minha tribo, minha montanha e meu rio”, que havíamos esquecido de fazer no início – tantas foram as emoções!
Ko Carioca to ku iwi. “Carioca é minha tribo”
Ko Corcovado to ku mounga. “Corcovado é minha montanha”
Ko Rio de Janeiro toku awa. ” “Rio de Janeiro é o meu rio”
Marcia, por sua vez se apresenta:
“ Ko Kaingang to ku iwi. “Kaingang é a minha tribo”
Ko Krĩjyjymé to ku mounga. “A Serra do Mar é minha montanha”
Ko Gojvenh toku awa. ” “O Rio Uruguai é o meu rio”
Em seguida, Márcia canta a sua canção em Kaingang, que já vinha bem preparada para cantar,
2 X Se͂pe tánh kur kupri
Isy͂ ã tovãj vãnh ty͂ tĩ
2 X Hãra ã isovãnh sór mu͂
ky͂ sy͂ ser tĩg my͂ ser
2 X Kur my͂rér kane͂ tánh
Isy͂ ã tovãj vãnh ty͂ tĩ
2 X Hãra ã tĩg ky͂ isy͂ ser
goj kafã ra tĩg mu͂
cuja letra, se traduz em algo como “Quando estou aqui com você, eu me sinto tão bem, que não quero mais partir…”. Mari faz a tradução para te reo Māori e todos se enternecem com a declaração.
Em seguida, há uma breve rodada de perguntas, que culmina sobre o nome do brinquedo que trouxemos, “PETECA”, um brinquedo brasileiro de origem indígena, e com o pedido para mostrar como é o jogo. Fazemos uma breve demonstração e chamamos a criançada para experimentar. Esse é o momento em que podemos, então, constatar que as crianças são realmente iguais na hora da diversão. Todos se animam muito, riem e pedem para jogar, uma algazarra! Acabou-se aí o clima solene! Incrível sua autoconfiança e como se apropriaram do jogo, inventando até novas regras!
Após a diversão com a peteca, enquanto as crianças vão para o wharekai, refeitório, somos convidados para a sala dos professores para um lanche. Comida, kai, é um agradável componente do Powhiri. Não pode faltar. Na sala dos professores, onde já podemos falar em inglês, somos apresentados a duas jovens funcionárias, que segundo a Mari, são ex-alunas da escola, do tempo em que a própria Mari era a “principal”, diretora, da escola.
Mari explica que a Kura Kaupapa segue a seriação de 13 anos, de acordo com o regime oficial da educação escolar básica na Nova Zelândia, sendo, no entanto, uma escola de imersão em te reo Māori, com todo o currículo especialmente adequado à transmissão da língua e da cultura Māori, além das disciplinas comuns, que também são transmitidas em te reo Māori. Ela explica que as crianças que saem das Kura Kaupapa apresentam bom índice de rendimento e aprovação em exames para universidades. Contudo a estatística oficial sobre o rendimento de estudantes Māori, ao englobar todos os alunos oriundos de escolas do sistema regular, onde geralmente os mesmos enfrentam dificuldades de ordens diversas, como discriminação e bullying, junto com os que passaram pelas Kura Kaupapa, acaba por apresentar, inadequadamente, um resultado geral de baixo aproveitamento para os estudantes Māori. Uma leitura falha, portanto, como argumenta Mari, pois a estatística não informa sobre o bom rendimento de alunos Māori provenientes das Kura Kaupapa.
Após o lanche, com muffins, queijos, crackers e frutas, com café e chá, vamos visitar as demais dependências da escola. Primeiro, passamos na cozinha, grande, bem equipada, onde encontramos alunos e alunas em atividade, varrendo, lavando e enxugando louça. O envolvimento dos alunos na manutenção da limpeza e ordem da escola é uma prática costumeira e natural nas Kura Kaupapa, desenvolvendo-se, assim, desde cedo, a consciência do cuidado com o bem comum, o senso de pertencimento a uma coletividade e a responsabilidade pelo compartilhamento do trabalho para a manutenção do bem estar de todos na escola.
Seguimos para a parte dos fundos, em que se encontram os alunos de séries mais avançadas. Muitos estão reunidos em uma sala de recreação, com mesa de ping-pong, sinuca e computadores. Mari explica que esta sexta-feira é o último dia, antes das férias de primavera, de duas semanas e, como houve o powhiri, os alunos ficaram liberados pela manhã para arrumarem seus materiais e recolherem seus pertences.
Mari nos conduz, então, a uma sala que serve para ensaio musical e meditação, que é praticada regularmente nas Kura Kaupapa. Em formato octogonal, no centro, estão instrumentos musicais como flautas, maracás, apitos diversos, além de objetos de valor simbólico espiritual da cultura Māori. Nas paredes, veem-se trabalhos de arte de alunos e peças diversas de trançado feitas com a fibra do harekeke, planta nativa da família Linaceae, conhecida como flax, em inglês. Com o flax os Māori fazem inúmeros itens, como cestos, esteiras e vestimentas.
Finalizada a visita, ao sairmos por uma porta lateral, podemos perceber que a Kura Kaupapa está ao lado de um cemitério Māori, que, no entanto, não parece ser um lugar lúgubre. Está bem cuidado, com uma atmosfera leve, com muitas flores. Já na rua, Mari nos faz ver que a Kura Kaupapa, a Kohanga Reo O Tu Roa, o ninho de língua que havíamos visitado na semana anterior, e a Te Wãnanga o Raukawa, a Universidade Maori, que também visitamos no dia anterior, são praticamente vizinhos. Estão todos em um mesmo grande bloco de terreno, incluindo um pequeno monte, numa área concedida pela prefeitura de Otaki, pois, afinal de contas, era tudo território ancestral Māori, anyway.